quinta-feira, 20 de novembro de 2008









O DOMINGO ACABAR

Tentou suicídio, é o que se comenta na rua. Tentou suicídio. Uns dizem que perdeu o emprego, a vizinha do fundo conta que ouviu gritarem palavras bíblicas horas atrás, andam falando por ai que o cara enlouqueceu por causa da namorada.

O burburinho que toma conta da rua é um só: tentou suicídio. Outra coisa não, mas, dar cabo da vida na manhã de domingo é querer ser notícia de folhetim. Isso numa terça soaria tão cotidiano quanto altas ou quedas da bolsa, agora domingo é botar o povo à porta de casa pra querer saber o que há. Olhando aos olhos do cidadão, que força o levaria a querer morrer num dia branco, sem ninguém pra dizer que não, sem ouvidos e bocas na rua, sem esse clima que só o domingo tem? Fazendo esforço dá pra tentar imaginar o que ele pretendia.

O dia corre e a história aumenta, já estão dizendo que a corda que amarrou no pescoço parou o sangue pra cabeça, o que vai deixá-lo lesado por um tempo.

Nessas horas que eu me indigno com os suicidas de hoje em dia. Pode ser só conversa de rua, mas, se proceder, além da tentativa de morte frustrada, ainda piorou o que já não devia andar muito bem, o coco.

Antigamente se matar devia ser coisa séria. Não havia tentativa de suicídio! A pessoa se matava e pronto e, a pior que fosse, a partir daquilo se tornaria coitada. Perdeu as terras no baralho? Dá-se um tiro na boca. Pegou o marido na cama com outra? Duas colheres de estriquinino é tiro e queda. Hoje em dia a menina é largada, amarra um cadarço de sapato no pescoço querendo a morte. Faça-me o favor suicidas potenciais, pesquisem antes uma forma boa e rápida de se matar, cadarço de sapato não. Agora que faz a família toda tratar com muito mais apreço a partir dali, ai sim, o cadarço é o holocausto dos suicidas modernos.

E o que mais chama a atenção nos plantões de notícias de bairros, é que, toda pessoa que passa à porta do sujeito, os outros sempre acham que têm notícias novas. Aquela peça fundamental no quebra-cabeça da morte, que vai esclarecer todo o porque do cara querer se matar num domingo cedo está no que o seu Joaquim tem pra dizer. Fácil fosse não teria graça. Bom mesmo é dar um palpite pro caso. Domingo é domingo mesmo, todo mundo já está palpitando o futebol, o chove não chove, a semana que começa, palpitar do suicida é inerente.

-Tentou suicídio. Vi a senhora responder a outra que voltava da feira com a sacola cheia de alfaces que cheiravam a peixe. Foi, dizia ela, suicídio, suicídio, enaltecia e confirmava àquela que doía a acreditar que o rapaz que a rua toda tinha como o exemplo pros filhos, acabara de tentar se matar.

Melhor acender um cigarro e esperar na TV o que há por vir. Óculos nos olhos para clarear as manchetes, bunda na poltrona, sonhos na tela. Algumas notícias do esporte e de longe o vento traz um som de tiro. Corro pra rua, lá vem um menino gritando que o suicida deu um tiro no pai. Nessas horas, o drama de um garoto suicida incompreendido torna-se coadjuvante ao menino que protagoniza um crime.

Em frente à casa onde tudo ocorreu, a multidão; o som da sirene da ambulância que se torna mais alto ao passo que se aproxima; o suicida assassino trancado no quarto; e a arma jogada no chão da sala.

Horas se passam e chega a noticia da morte do pai, da prisão do filho e da causa de tudo. Pela fresta da porta, pai foi visto pelo filho com a mulher deste na cama. Filho tentou suicídio, pai tentou acalmá-lo sem saber seus motivos, filho indignado com o cheiro da mulher nos cabelos do pai, dá-lhe um tiro no peito. Filho preso, pai morto e a mulher em casa, esperando o domingo acabar.










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