O DOMINGO ACABAR
Tentou suicídio, é o que se comenta na rua. Tentou suicídio. Uns dizem que perdeu o emprego, a vizinha do fundo conta que ouviu gritarem palavras bíblicas horas atrás, andam falando por ai que o cara enlouqueceu por causa da namorada.
O burburinho que toma conta da rua é um só: tentou suicídio. Outra coisa não, mas, dar cabo da vida na manhã de domingo é querer ser notícia de folhetim. Isso numa terça soaria tão cotidiano quanto altas ou quedas da bolsa, agora domingo é botar o povo à porta de casa pra querer saber o que há. Olhando aos olhos do cidadão, que força o levaria a querer morrer num dia branco, sem ninguém pra dizer que não, sem ouvidos e bocas na rua, sem esse clima que só o domingo tem? Fazendo esforço dá pra tentar imaginar o que ele pretendia.
O dia corre e a história aumenta, já estão dizendo que a corda que amarrou no pescoço parou o sangue pra cabeça, o que vai deixá-lo lesado por um tempo.
Nessas horas que eu me indigno com os suicidas de hoje
Antigamente se matar devia ser coisa séria. Não havia tentativa de suicídio! A pessoa se matava e pronto e, a pior que fosse, a partir daquilo se tornaria coitada. Perdeu as terras no baralho? Dá-se um tiro na boca. Pegou o marido na cama com outra? Duas colheres de estriquinino é tiro e queda. Hoje em dia a menina é largada, amarra um cadarço de sapato no pescoço querendo a morte. Faça-me o favor suicidas potenciais, pesquisem antes uma forma boa e rápida de se matar, cadarço de sapato não. Agora que faz a família toda tratar com muito mais apreço a partir dali, ai sim, o cadarço é o holocausto dos suicidas modernos.
E o que mais chama a atenção nos plantões de notícias de bairros, é que, toda pessoa que passa à porta do sujeito, os outros sempre acham que têm notícias novas. Aquela peça fundamental no quebra-cabeça da morte, que vai esclarecer todo o porque do cara querer se matar num domingo cedo está no que o seu Joaquim tem pra dizer. Fácil fosse não teria graça. Bom mesmo é dar um palpite pro caso. Domingo é domingo mesmo, todo mundo já está palpitando o futebol, o chove não chove, a semana que começa, palpitar do suicida é inerente.
-Tentou suicídio. Vi a senhora responder a outra que voltava da feira com a sacola cheia de alfaces que cheiravam a peixe. Foi, dizia ela, suicídio, suicídio, enaltecia e confirmava àquela que doía a acreditar que o rapaz que a rua toda tinha como o exemplo pros filhos, acabara de tentar se matar.
Melhor acender um cigarro e esperar na TV o que há por vir. Óculos nos olhos para clarear as manchetes, bunda na poltrona, sonhos na tela. Algumas notícias do esporte e de longe o vento traz um som de tiro. Corro pra rua, lá vem um menino gritando que o suicida deu um tiro no pai. Nessas horas, o drama de um garoto suicida incompreendido torna-se coadjuvante ao menino que protagoniza um crime.
Em frente à casa onde tudo ocorreu, a multidão; o som da sirene da ambulância que se torna mais alto ao passo que se aproxima; o suicida assassino trancado no quarto; e a arma jogada no chão da sala.
Horas se passam e chega a noticia da morte do pai, da prisão do filho e da causa de tudo. Pela fresta da porta, pai foi visto pelo filho com a mulher deste na cama. Filho tentou suicídio, pai tentou acalmá-lo sem saber seus motivos, filho indignado com o cheiro da mulher nos cabelos do pai, dá-lhe um tiro no peito. Filho preso, pai morto e a mulher em casa, esperando o domingo acabar.
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